sexta-feira, janeiro 22

História de Família



Quando eu era pequena e morava em MT, devia ter uns 5 ou 6 anos, não havia luz elétrica nem água encanada, lembro-me da luz do lampião à noitinha, meu pai colocava-nos no colo, eu e minha irmã, uma em cada perna, e nos contava histórias de família. Como os seus pais chegaram no Brasil, onde trabalharam, o que faziam antes de vir para cá...
Eram narrativas tão emocionantes de mulheres e homens batalhadores e fortes enfrentando situações incomuns, todos os motes de um bom romance.

Minha avó paterna (batchan) sempre teve um gênio terrível, era temida por todos os filhos. Mimada, amarga e ríspida com as palavras...não comigo ou com os netos, conosco ela se derretia...

Conta o meu pai sobre esta filha única de uma família tradicional japonesa, herdeira de título nobre. Estudou até onde moça naquela época poderia estudar, tocava piano, jogava tênis e o mais incrível, casou-se por amor com o homem que ela escolheu. Este fato, diga-se de passagem, mostra como ela era jogo duro ou o rapaz era de uma boa linhagem (afff, este termo parece vindo da estribaria...). Pois os casamentos sempre foram arranjados, os noivos escolhidos pelos pais.
Bem, o fato é que ela casou-se e foi muito feliz, aí veio a guerra, eles perderam tudo e o jovem casal veio para o Brasil. Enfrentaram muitas dificuldades numa terra estrangeira, quando se perde tanto de uma maneira tão drástica, perde-se um pouco de si também. Algum tempo depois, ainda em vias de adaptação, dois ou três anos após sua chegada, após dois filhos e grávida do terceiro, o marido tão amado morre vítima de uma doença...

Então ela se vê sozinha num país estranho, grávida, mulher, estrangeira...
O desenrolar desta hiatória não é de todo ruim, ela conhecerá meu outro avô (ditcham), ele assumirá os filhos e viverão razoavelmente bem, tirando suas crises geniosas. Vários de seus atos continuam injustificáveis, mas no seu interior o estrago já estava feito e ela nunca se recuperou.  Ela nos deixou a algum tempo, adormeceu e não acordou mais, acredito que em paz.
O meu ditcham tem hoje impressionantes 105 anos de energia e lucidez, lembra-se até das canções infantis japonesas que ensinava-me quando pequena. Quanto a minha batcham em nossos corações decidimos compreender e perdoar.

Perdi meu avô materno o ano passado e com ele foram histórias que não contou a ninguém, mas deixou uma estante enorme cheia de fotografias muito bem organizadas, era sua paixão. Tem um álbum, o meu favorito, guardando fotos de vários casamentos da família. Ali estão meus avós e bisavós e pessoas que nem conheço, feito colcha de retalhos, vejo minhas tias, minha mãe, meus primos, a mim mesma, noivas lindas em preto e branco e coloridas...todos os tipo de sorrisos...
Pedi que deixassem as fotos comigo, pois herdei esta mania de fotografia do meu avô, e posso dizer, certamente foi um tesouro deixado por ele...

Quando à noitinha conto estas mesmas histórias de família para os meus filhos, posso ver a mim mesma à luz daquele mesmo lampião com os olhinhos brilhando e a mágica sendo feita... separando nitidamente a imagem de avô, avó, pai, mãe para tornarem-se homens e mulheres que amaram, odiaram e enfrentaram guerras, dúvidas, momentos. Esta distância exercita o olhar diferente e dá o poder de decidir amá-los ou respeitá-los ou perdoá-los de alguma forma ou não.
Por este motivo, amo histórias de família.



14 comentários:

  1. Oi Cris! Eu adoro ouvir esas histórias de vida reais. Muitas vezes a gente titula as pessoas como amargas sem tentar compreender o motivo, né? No lab que eu trabalhava eu fiquei amiga de uma pessoa que era odiada por todos, mas aos poucos fui sabendo da história de vida dela, não foi fácil, e vejo ela diferente do que todos veem, comigo ela é um doce de pessoa...
    Na cidade pequena onde nasci e cresci tem uma colônia japonesa grande, cresci no meio deles participava até das undokai. Adoro as " batchans". beijos querida
    Cynthia

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  2. Cris, que historia linda,voce sabe que na minha infancia sempre tive muito contato com colonias japonesa,minhas melhores amigas eram japonesa,eu sabia ate umas musiquinhas de criancas,comia muito gohan, bolinho de arroz recheado com doce de feijao( esse nao gostava muito nao) doces lembranças.
    Lindo post e voce escreveu lindamente.
    Parabéns!!
    bj

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  3. Cris, acho que tu tb herdou o dom de contar histórias, fique hipnotizada lendo...
    Histórias de família são sempre marcantes pq elas são a nossa história tb né?!
    Muito incrível a história da tua avó!
    Bjus, Lu

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  4. Uma história de lutas, coragem e vitórias.
    Sua família é um exemplo!
    Beijos

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  5. Cris, que história linda, melhor postagem hehehe
    Eu tb adoro escutar a história da minha, mas contada pelo meu padrinho, meu pai não teve tempo para escutar hahaha
    É o filme que está passando na GNT, duas partes, mas é o filme sim, é lindo amiga, lindo de morrer, me fez quando eu sou forte e posso enfrentar o mundo.
    Consegui terminar a postagem e amanhã já publico novamente.
    bjsss

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  6. Amiga, nem me fala do mal gosto hehehe
    Adivinha?
    Ontem estava passando a segunda parte, só vi no final hunf, senão eu corria para te avisar.
    Bom domingo!!!
    Bjss

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  7. Bom dia!!!
    Minha passadinha diaria pra ver como estao as coisas aqui nessa casa.
    Gostou do que postei hoje entao?
    Entao, mas aquela nao é minha casa nao,bem que eu gostaria viu? Tem tudo que eu gosto.
    bj

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  8. Ahh, essas histórias de família são sempre encantadoras!!! Olha, só a vida do meu bisavô, se fosse contar daria um livro!!! Mas é muito bom ouvir e saber de nossas origens, não é mesmo? Dá orgulho! E força...
    Bjs! Foi bom descobrir seu blog... Vou vir visitá-la de vez em quando...

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  9. Gosto muitos destas histórias da vida real.
    Acompanharei aqui quietinha

    =)

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  10. Cris, tá me surpreendendo a cada dia, hein! Mulher, larga as panelas e começa a escrever seu livro, tá esperando o quê?
    A história é parecida com muitas outras, porém sua narrativa é maravilhosa. Tá muito lindo!
    Como leitora que sou, aprovei tudo!
    Beijocas

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  11. Oi Cris,
    Que linda história, me emocionei, viajei mesmo!! Como já te disse tenho muitos amigos japas aqui em Santos-SP, e as histórias são todas muito bonitas de gente que veio, sofreu e venceu! Admiro demais a filosofia de vida oriental principalmente o respeito que têm pelos mais velhos, me inspiro e tento colocar em prática aqui em casa.
    O mundo seria tão melhor se ouvíssemos mais nossos pais e avós. Com tanta experiência, não bateríamos tanto as cabeças por aí!
    Beijocas,
    Cris João
    (www.recomadres.blogspot.com)

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  12. Cris, que texto lindo minha flor! Fiquei com os olhos marejados aqui no meio do trabalho...
    Fotos de família são mesmo uma relíquia preciosa que devem ser guardadas com carinho, e trazidas à tona sempre que possível.
    minha avó, logo depois que meu avô morreu, queimou todas as recordações dele e de sua família, e ficamos todos órfãos da nossa parte suíça. Uma pena. Mas também serve de exercício pra nossa criatividade: eu, por exemplo, acredito que tem um castelo de chocolate e queijo me esperando lá perto dos Alpes! hahaha
    beijinho, querida!

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  13. Cris,
    se houvesse um maracdor ou um ranking dos melhores posts, sem dúvida este seu seria o meu favorito.
    convido você a ler uma história de que escrevi lá no meu caderno virtual [http://clborrego.blogspot.com/2009/12/caixa-de-memorias.html]
    Grande beijo,
    Cris*

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  14. Oi Cris, fiquei emocionada com as suas palavras...são carregadas de significado e amor.
    Essas lembranças são um tesouro!!! E vc com certeza saberá como repassar essa força e tradição para as crianças! Beijocas!

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sou toda ouvidos!!!

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